A febre reumática é uma complicação tardia de uma faringite causada pela bactéria Streptococcus. Saiba quais os seus sintomas, consequências, prevenção e tratamento.
Nas regiões menos desenvolvidas do mundo, estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas sofram de febre reumática, sendo esta a principal causa de morte de origem cardíaca na população abaixo dos 50 anos. É uma doença que ocorre principalmente na população jovem, com pico de incidência entre os 5 e 15 anos de idade. É uma doença pouco comum em adultos.
Mas o que é a febre reumática?
A febre reumática é uma doença inflamatória que ataca o coração e suas válvulas levando a sua progressiva destruição. É uma complicação de infecções comuns da garganta como a faringite e a escarlatina (leia: DOR DE GARGANTA | FARINGITE | AMIGDALITE e ESCARLATINA | Sintomas, causas e tratamento), ou de pele, como o impetigo (leia: IMPETIGO COMUM e IMPETIGO BOLHOSO | Sintomas e tratamento) causadas pela bactéria Streptococcus pyogenes (Streptococcus ß-hemolítico do grupo A de Lancefield)
A história acontece da seguinte maneira: uma pessoa jovem adquire uma faringite ou amigdalite comum, daquelas com febre, dor de garganta e pus nas amígdalas. Este paciente acaba por não procurar atendimento médico e não recebe o tratamento com antibióticos como seria suposto. Com o passar dos dias o seu sistema imune acaba por controlar a infecção e a faringite pode desaparecer. Porém, a bactéria Streptococcus pyogenes possui uma proteína muito semelhante à existente em alguns tecidos do nosso corpo como válvulas cardíacas, articulações, sistema nervoso e pele. Ocorre então que, ao tentar controlar a infecção, o nosso sistema imune pode acabar produzindo anticorpos contra essa proteína que, além de atacar a bactéria, acaba também por atacar indevidamente todos esses outros tecidos levando a sua destruição.
A febre reumática costuma surgir após 1 a 4 semanas do inicio da infecção de garganta pelo Streptococcus pyogenes.
Antes de seguirmos em frente, algumas ressalvas são importantes.
- Nem toda faringite não tratada apresentará a febre reumática como complicação. Vários germes podem causar dor de garganta, incluindo vários tipos de bactérias e vírus. A febre reumática é causada apenas pelo Streptococcus pyogenes.
- Entre a espécie Streptococcus existem vários tipos de bactérias como o Streptococcus pneumoniae, que causa pneumonia (leia: PNEUMONIA | Sintomas e tratamento), o grupo Streptococcus viridans, que causa endocardite e outras. Mesmo entre o Streptococcus pyogenes, existem várias cepas diferentes e nem todas parecem ser capazes de causar febre reumática.
- Além da bactéria específica, parece também ser necessária uma predisposição genética dos pacientes para se desenvolver febre reumática.
Portanto, para se ter febre reumática é preciso ter uma predisposição individual e uma infecção de garganta por cepas específicas do Streptococcus pyogenes . Além disso, é preciso que o paciente não receba tratamento adequado com antibióticos.
Sintomas da febre reumática
A febre reumática costuma surgir com um quadro de febre alta que vem acompanhado de um ou mais dos seguintes sinais e sintomas:
- Poliartrite migratória: artrite é uma quadro de inflamação das articulações como joelhos, cotovelos, punhos, tornozelos etc... Os sintomas consistem em inchaço, vermelhidão, calor local e intensa dor. Chamamos poliartrite quando a artrite acomete várias articulações ao mesmo tempo. O termo migratória indica que ela vai mudando de articulação acometida ao longo dos dias.
A poliartrite da febre reumática é o sintoma mais comum da doença e acomete 3 em cada 4 pacientes.
- Cardite: a febre reumática ataca todo o coração, desde o pericárdio, membrana que o envolve, até o próprio músculo cardíaco (miocárdio) e as válvulas do coração.
Os sintomas do acometimento cardíaco incluem dor torácica, principalmente quando se respira fundo, cansaço aos esforços e, principalmente, o aparecimento de um sopro no coração, indicando lesão em uma das suas válvulas (leia: SOPRO NO CORAÇÃO | Causas, sintomas e tratamento).
A lesão das válvulas do coração pode ser grave suficiente para causar insuficiência cardíaca (leia: INSUFICIÊNCIA CARDÍACA | CAUSAS E SINTOMAS).
A cardite é a complicação mais grave da febre reumática e ocorre em cerca de 40 a 50% dos casos.
A cardite e a artrite costumam ser, após a febre, os dois primeiros sintomas da febre reumática.
- Coréia de Sydenham: o acometimento do sistema nervoso central pela febre reumática causa a coréia, uma alteração neurológica que se manifesta com movimento involuntários dos braços, pernas e da cabeça, fraqueza muscular e alterações do discurso. A coréia desaparece durante o sono.
No vídeo abaixo é possível ver uma menininha que teve febre reumática e apresenta coréia de Sydenham.
A coréia de Sydenham, também chamada de dança de São Vito, é mais comum em mulheres e pode aparecer somente após 8 meses da infeção de garganta. Ocorre em 5 a 10% dos casos de febre reumática. Pode ser o primeiro sintoma e em alguns pacientes surge sem que haja sinais cardite ou artrite associados.
- Nódulos subcutâneos: a presença de nódulos subcutâneos é outra manifestação típica da febre reumática.
Estes nódulos costumam ser indolores, endurecidos, sem sinais inflamatórios, medindo entre 0,5 e 2 cm. Podem surgir vários, mas a média é entre 3 e 4 nódulos distribuídos principalmente no cotovelo, punhos e joelhos. Normalmente desaparecem após 1 mês.
Ocorre em 10% dos casos e somente naqueles que também apresentam cardite. Os nódulos subcutâneos da febre reumática são muito parecidos com aqueles da artrite reumatóide (leia: ARTRITE REUMATÓIDE | Sintomas, diagnóstico e tratamento).
- Eritema marginato: é uma rash avermelhado, evanescente, que acomete principalmente os tronco e partes dos membros. Costuma ficar mais evidente em temperaturas quentes e pode durar anos, aparecendo e desaparecendo ao longo do tempo. Ocorre em 5% dos casos e, assim como os nódulos subcutâneos, o eritema marginato também costuma estar associado a cardite.
Na maioria dos casos de febre reumática, o episódio agudo dura em torno de 6 semanas. Em 90% dos casos, os sintomas desaparecem em no máximo 3 meses. A coréia de Sydenham costuma melhorar em 3 a 4 meses, porém, alguns em alguns pacientes podem levar até 2 anos.
O principal problema da febre reumática são as sequelas cardíacas. Uma vez que a válvula esteja lesada, ela não se regenera. As lesões valvulares podem levar a insuficiência cardíaca e favorecem o aparecimento da endocardite (leia: ENDOCARDITE| Sintomas e tratamento). Muitas vezes se faz necessária uma cirurgia para troca da válvula cardíaca afetada.
Quem já teve um episódio de febre reumática apresenta um alto risco de rescindência toda vez que surge uma nova faringite, sendo portanto, necessário tratamento antibiótico profilático (explico mais abaixo).
Tratamento da febre reumática
O tratamento da febre reumática se baseia primordialmente na sua prevenção. O tratamento das faringites/amigdalites bacterianas com antibiótico praticamente elimina o risco do aparecimento da doença. O ideal é não postergar o início do tratamento por mais de 7 dias após o início dos sintomas.
A não prescrição de antibióticos, principalmente se o paciente for jovem, ou a interrupção do esquema antibiótico antes do prazo estipulado, mesmo que a faringite já tenha desaparecido, são os principais fatores de risco para febre reumática.
Uma vez que o episódio agudo de febre reumática já tenha aparecido, o tratamento torna-se basicamente paliativo. Não existe terapêutica que impeça a destruição das válvulas cardíacas. Nestes casos a conduta consiste na administração de antibióticos para eliminar o Streptococcus do organismo, mesmo que já não haja mais sintomas de faringite ativa e na administração de anti-inflamatórios e aspirina para alívio dos sintomas como artrite e dor torácica (leia: AÇÃO E EFEITOS COLATERAIS DOS ANTI-INFLAMATÓRIOS e ASPIRINA | AAS | Indicações e efeitos colaterais).
Prevenção secundária da febre reumática
A prevenção secundária é aquela que fazemos nos pacientes já tiveram um episódio de febre reumática. Como o risco de um segundo quadro agudo é muito alto, indica-se a o uso prolongado de antibióticos até os 21 anos de idade, ou até 5 a 10 anos após o último ataque. Nos pacientes que apresentam sequelas cardíacas, com lesão valvular, a profilaxia está indicada até os 40 anos de idade.
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